Por Luís Costa Pinto, para o Jornalistas pela Democracia - Falo de Tábata Amaral, a jovem deputada federal que é a personagem benfazeja da semana.
Aos 25 anos, eleita pelo PDT em São Paulo no ano passado com 264.450 votos, foi uma das fundadoras do movimento Acredito (coletivo que desde 2016 trabalha para reavivar o interesse e a participação de adolescentes e jovens pela ação política a fim de renovar o sistema dentro das regras democráticas). Formada na Universidade Harvard em Ciências Políticas e em Astrofísica (como segunda graduação), Tábata é a personificação de todo o bem e de toda a transformação que colhemos quando o poder público foca na mudança de agenda da sociedade e radicaliza a aplicação do credo em programas de transferência de renda vinculados ao estímulo à educação.
Filha de uma diarista ultrabatalhadora e de um motorista de ônibus que sucumbiu à miséria e ao flagelo que representam as drogas – no caso, usadas como válvula de escape para a pobreza –, Tábata nasceu e se criou na Vila Missionária, periferia mais esquecida e desorganizada da Zona Sul da capital paulista. Aluna da Escola Estadual Isaltino de Melo, beneficiária de bolsas federais e estaduais de complementação de renda, em 2005 foi medalhista na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas. Em razão desse desempenho ganhou uma bolsa do Colégio Etapa e em 2006 foi medalhista de ouro da OBMEP. Passou, então, a representar o Brasil nas olimpíadas internacionais de Química, Astronomia e Astrofísica. Em 2012 Tábata foi aprovada em Harvard, Yale, Columbia, Princeton, Caltech e Pensilvânia, além da USP. Seguiu para cair na vida e na História em Harvard.
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A tese de conclusão do curso de Ciências Políticas da powergirl paulistana que passou a encher de esperanças quem estava down como eu foi uma análise das reformas educacionais em municípios brasileiros. Ela argumentou em torno da expansão do acesso à educação no Brasil entre 1996 e 2016 e como isso foi relevante como ponto de partida para grandes transformações embora a qualidade média do ensino permanecesse baixa ao ser comparada com outros países. Tábata ensaiou, na tese, a conclusão de que apesar dos avanços sociais advindos com programas de transferência de renda a educação fundamental colhe resultados esparsos, ruins, porque não há continuidade nas políticas públicas municipais (interrupções por troca de administrações ou por falta de projeto de longo alcance). A partir daí lançou-se a uma pesquisa de fundo, com milhares de questionários e entrevistas face a face com estudantes do ensino fundamental e médio e assim teve origem o Movimento Mapa Educação que tem como missão engajar os jovens na luta por uma educação de qualidade para todos.
Assisti ao vídeo de 6 minutos em que Tábata desconstrói o pérfido e despreparado ministro da Educação de Bolsonaro (o presidente da República que, por si, é o paradigma do brasileiro mal-educado, grosso e tosco) já sentado na poltrona de um avião que me traria de volta a Brasília depois de um dia de reuniões em São Paulo.
Durante o voo li algumas das crônicas de Nelson Rodrigues em A Cabra Vadia. No livro há alguns textos em que a verve de Nelson, a flor de obsessão, elenca Wladimir Palmeira e José Dirceu de Oliveira e Silva, líderes estudantis da resistência à ditadura militar em 1968, como seus "personagens da semana". Daí decidi: a força titânica da segurança meiga e firme de Tábata fá-la-ia minha personagem. Não tenho o brilho nem a biografia do dramaturgo, cronista e polemista pernambucano, mas a minha personagem acendeu algo luminoso no recesso da alma que me fez enxergar nela a energia vital de Palmeira e de Dirceu nos idos de 1968 –tempo em que sonhávamos tanto. Uso o coletivo, mesmo tendo apenas nascido em 68, o ano que não terminou, como Zuenir Ventura definiu tão bem, e explico: não terminou porque o espírito libertário daquele ano impregnou a muitos, por gerações. De quando em vez o espectro do ano inacabado, que mudou a forma como gerações veem o mundo, revisita-nos. Ontem, na Comissão de Educação da Câmara, Tábata Amaral era a esperança de 1968 revisitando-nos.
Ao chegar em casa, noite adentro, assisti ao vídeo de 6 minutos de Tábata x Velez que está no YouTube por mais duas vezes. Recomendei-o, mandando link, para minhas filhas – aquelas que também dão duro na vida, construindo suas carreiras de forma muito aplicada e com ações políticas e pessoais consequentes em São Paulo, e aos meus filhos. Um deles, cientista político, é contemporâneo de Tábata e chegou a ter alguma participação no Acredito, onde deu palestras depois de voltar de uma pós-graduação na George Washington. O outro, caçula, cursa o 1º ano do Ensino Médio numa escola privada em Brasília onde há debates diários – e alguns choques ideológicos – entre filhos de quem compactuou com-tudo-isso-que-está-aí e filhos da resistência. Mais tarde, quando a minha mulher chegou do trabalho, antes de dormir, pusemos mais uma vez para rodar os seis minutos de Tábata dando uma aula de política e de foco ao rastejante ministro da Educação. Fiz streaming do YouTube para a TV e a colocamos na tela grande. A vontade dos três, ao final, era abraçar a jovem deputada e dizer-lhe: "que orgulho!" O orgulho era justamente porque poderia ser uma filha, uma irmã do João... com a simplicidade de tantas garotas por aí, o orgulho não era porque se levantara contra quem se levantou – mas, sim, pela forma como se levantou, pelos argumentos que esgrimiu, pela lucidez com que defendeu suas ideias e apontou o vazio da agenda bolsonarista e do guarda da esquina que o capitão desse time mambembe pôs no MEC para destruir o futuro do país.