Pode o Brasil virar o jogo? As sanções dos EUA, Alexandre de Moraes e o desafio da soberania
A revogação do visto do ministro Alexandre de Moraes pelos Estados Unidos escancarou um jogo de forças que vai muito além das fronteiras brasileiras. A medida, vista por muitos como retaliação ao cerco judicial contra Jair Bolsonaro, expõe uma prática cada vez mais recorrente: o uso de sanções unilaterais como ferramenta política internacional. A pergunta que se impõe é: o Brasil tem como reagir — e, mais do que isso, virar o jogo?
A política das sanções e a extraterritorialidade norte-americana
Desde a promulgação da Lei Magnitsky, em 2012, os EUA se autorizaram a punir indivíduos de qualquer país, acusados de corrupção ou violações de direitos humanos. Embora a lei se baseie em uma lógica de combate à impunidade global, sua aplicação tem servido, muitas vezes, a interesses geopolíticos específicos.
Com base nessa legislação, Washington já aplicou sanções a líderes de países como Rússia, China, Venezuela e Turquia. A depender da conveniência do momento, os alvos variam — e nem sempre por critérios transparentes ou imparciais.
No caso de Moraes, não há até aqui qualquer acusação formal de corrupção ou crimes contra a humanidade. O que existe é o incômodo de setores ligados a Bolsonaro com decisões judiciais firmes contra tentativas de golpe e ataques às instituições democráticas brasileiras.
O isolamento é estratégia — e também armadilha
A revogação do visto de Moraes tem peso mais simbólico do que prático. Mas seu potencial de desgaste político e diplomático é real. Se o Brasil aceitar passivamente essa ingerência, abre-se precedente para que outros ministros, juízes ou mesmo governantes eleitos democraticamente passem a ser tratados como “inimigos internacionais” — ao gosto da política externa de ocasião da Casa Branca.
Por outro lado, uma reação isolada, sem apoio de outros países, tende a ser inócua. É nesse ponto que entra a oportunidade estratégica: formar alianças com outras nações que também têm sido alvo de sanções unilaterais e extraterritoriais.
Unir os incomodados: uma resposta multilateral
Vários países poderiam compor uma frente comum com o Brasil nesse debate: México, Argentina, África do Sul, Indonésia, entre outros que já se manifestaram contra o uso político de sanções unilaterais.
O Brasil também pode usar sua posição em grupos como os BRICS, o G77 e fóruns da ONU para levantar um debate global sobre o abuso do poder sancionatório dos EUA. Afinal, trata-se de uma violação direta ao princípio da soberania nacional — cláusula pétrea do Direito Internacional.
Uma iniciativa conjunta pode envolver:
- Abertura de discussão nas Nações Unidas;
- Denúncia formal à Corte Internacional de Justiça;
- Formulação de regras multilaterais para controle do uso de sanções;
- Adoção de medidas recíprocas dentro de marcos legais e comerciais.
O problema interno: a divisão que enfraquece
No entanto, qualquer reação internacional depende da coesão interna. E esse talvez seja o maior obstáculo. Parte do Congresso Nacional — dominado por aliados de Bolsonaro — aplaude a punição a Moraes. Setores da mídia e da elite econômica preferem o silêncio, receosos de atritos com os Estados Unidos.
Essa divisão fragiliza a posição do Brasil no exterior. Enquanto países como China, Rússia e até México defendem com firmeza seus representantes em arenas internacionais, o Brasil ainda hesita — e muitas vezes se autocensura.
Conclusão: entre soberania e submissão
O Brasil tem, sim, como virar o jogo. Mas isso exige articulação internacional, coragem diplomática e, acima de tudo, vontade política de defender a própria soberania.
A luta não é apenas pelo direito de um ministro manter seu visto americano. É uma luta para que juízes brasileiros não sejam punidos por cumprir a lei. Para que o sistema de Justiça não se curve à pressão externa. Para que o Brasil não se torne uma república tutelada por interesses estrangeiros.
Se não for agora, quando?