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NUNCA EXISTIU GOVERNO DO PT

POR CLAUDIO OLIVEIRA, VIA UOL

A maioria dos chamados “erros do PT” são erros de uma coalizão entre partidos de esquerda e de direita que governaram o país nos últimos treze anos



No Brasil de hoje, fala-se muito dos “erros do PT”. Mas esses “erros” são mesmo do PT, devem ser atribuídos unicamente ao PT ou, antes, eles teriam que ser atribuídos à classe dominante brasileira, àquele 0,1 % da população brasileira que detém a metade da riqueza de tudo o que é produzido em nosso país e que traduz esse poder econômico em poder legislativo, judiciário, executivo e, sobretudo, em poder midiático? Será que é tão difícil para as pessoas entenderem (refiro-me às pessoas que votaram no PT e que se dizem desiludidas) que o PT nunca governou sozinho esse país, mas sim junto com a direita?

Agora nós podemos ver a olho nu com quem o PT estava governando. Não é senão isso o governo Temer. Portanto, a questão que nós temos que colocar agora deve ser invertida: como o PT conseguiu fazer tudo o que fez mesmo tendo que governar com esses caras? Ora, o fato de que o governo do PT encabeçava esse governo de coalizão colocava certos limites à atuação da direita dentro do governo, mesmo que essa direita também colocasse limites à atuação do PT. O que vemos agora é essa direita atuando sem nenhum limite.

Nós nunca tivemos um governo do PT propriamente dito, nem no nível nacional, nem no nível estadual. Simplesmente nunca houve um governo de esquerda propriamente dito no nosso país. Nós não sabemos o que é isso. Portanto, não podemos fazer exigências ao PT como se isso tivesse algum dia existido. Em países como Canadá e Inglaterra, um partido só pode chegar ao poder se tiver maioria no Congresso. Em outras palavras, o partido que obtém maioria no Congresso nomeia o primeiro ministro. No Brasil, não existe nada disso. E como existe uma pulverização dos partidos políticos (eterno tema de uma reforma política que nunca acontece), surgiu o tal de “presidencialismo de coalização”.

Portanto, precisamos levar em consideração que a maioria dos chamados erros do PT não são erros do PT, são erros de uma coalizão entre partidos de esquerda e de direita que governaram o país nos últimos treze anos. É claro que, além desses, há erros que podem ser atribuídos, a meu ver, não tanto ao PT, mas ao Lula e à própria Dilma enquanto governantes. Por exemplo, todas as nomeações de juízes para o Supremo Tribunal Federal foram erros. Nem Lula nem Dilma foram capazes de realmente constituir um STF progressista, mesmo que possamos ver algum avanço da Corte atual em relação a um ou outro ponto. Mas o STF continua a serviço da classe dominante brasileira. Também foram erros de Lula e de Dilma terem dado todas as condições para o surgimento desses monstros que se tornaram o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. Não ter politizado as nomeações foi um erro, pois não politizá-las pela esquerda significa simplesmente permitir a politização pela direita. Temos hoje um Judiciário caracterizado pela ideologia das classes dominantes e nem Lula nem Dilma foram capazes de produzir qualquer tipo de mudança nesse sentido. E tudo em nome de uma neutralidade democrática que eles julgavam ser o procedimento correto a ser adotado nessas nomeações.

Nós poderíamos elencar muitos outros “erros” dos governos Lula e Dilma, mas creio que os “erros” pelos quais eles são acusados, enquanto “erros” do PT, têm outra natureza e só podem ser entendidos à luz das condições complexas, para não dizer complicadas, em que eles tiveram que exercer seus mandatos presidenciais.

Hoje já temos elementos suficientes para poder compreender que Lula não é nem nunca foi apenas um líder da esquerda brasileira. Enquanto tal, ele jamais teria chegado ao poder, jamais teria ganho uma eleição presidencial. A esquerda não tem como chegar ao poder no Brasil, e mesmo que chegue, cai.

Lula não chegou ao poder apenas como um líder da esquerda. Ele chegou ao poder como um líder da esquerda que conseguiu negociar um acordo com a direita. Isso ficou já totalmente claro em sua primeira eleição – não só na famosa Carta aos Brasileiros – e foi só por isso que ele finalmente conseguiu vencê-la após três tentativas fracassadas. Foi só quando incluiu explicitamente a direita em sua candidatura que Lula pôde vencer a eleição presidencial. Em outras palavras, ele continuou sendo um sindicalista enquanto presidente. Ele continuou sendo o representante da classe trabalhadora a negociar com os “patrões”. O fato de que ele era agora Presidente da República não o tornou um “patrão”. Ele continuou sendo um trabalhador. A única coisa que o diferenciava dos outros trabalhadores era exatamente o fato de que, enquanto os representava, era recebido pelos “patrões” ou os recebia no Palácio do Planalto. Mas ele jamais se tornou um patrão. A prova cabal disso é que a classe dominante, a classe dos patrões, continuou tratando-o como o que ele é: um simples sindicalista. A empáfia de um juiz como Sergio Moro diante de Lula, um ex-Presidente da República é, a meu ver, a melhor imagem do desprezo da classe dominante brasileira pela classe trabalhadora (incluindo nesse desprezo a classe média brasileira, que se identifica com a classe dominante e não com a classe trabalhadora). Por contraste, basta ver como Fernando Henrique Cardoso foi tratado em recente interrogatório pelo mesmo juiz Sergio Moro. Lula não passou a ser tratado como um patrão por ter sido presidente. Suas origens populares, operárias e sindicais lhe condenam a ser para sempre tratado pela classe dominante como qualquer brasileiro médio com as mesmas origens. Daí sua condução coercitiva sem justificativas.

Portanto, a chegada de Lula à presidência não significa, nem nunca significou uma chegada da esquerda ao poder no Brasil. Assim como nunca significou uma verdadeira modificação das relações de poder no Brasil. Significou simplesmente um refresco ou algo que nós poderíamos chamar hoje de uma política de diminuição de danos, para tomar de empréstimo uma expressão da área de saúde pública. Significou simplesmente a presença de um negociador na Presidência da República, que tentava conseguir junto à classe dominante melhores condições de existência para a classe trabalhadora. A classe dominante teve que aceitar a partir de um determinado momento uma figura como Lula simplesmente pelo fato de que ela, a classe dominante, não tinha sido capaz nos últimos anos de criar uma liderança política que estivesse em condições de vencer uma eleição presidencial. O caso Aécio Neves é talvez o mais emblemático nesse sentido, pois conseguiu perder para uma presidente com baixa popularidade num momento de crise econômica aguda, o que contradiz todas as regras da ciência política. Mas isso se explica, talvez, pela fato de que a última vez que a direita teve um candidato vencedor, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, foi uma tragédia para o país. E uma parcela muito significativa dos brasileiros guarda até hoje uma lembrança muito clara dessa tragédia. Foi o que impediu uma vitória do PSDB nas quatro últimas eleições presidenciais no Brasil.

Não sendo capaz de ganhar eleições presidenciais, a classe dominante, no entanto, não deixa de dominar todas as outras instâncias de poder, mesmo a instância do executivo, pois mesmo nos governos do PT sempre houve a presença de representantes dessa classe em seus quadros, em vários dos seus ministérios. E no que diz respeito a outros poderes, o Judiciário, o Legislativo e o quarto poder, a mídia, a classe dominante sempre teve total controle dos mesmos. Em 2016, essa classe dominante viu uma janela, uma possibilidade de estar no poder sozinha sem o incômodo que era o PT.

O PT não se uniu a essa classe dominante por gosto. Ele o fez pelo Brasil. Já está mais do que na hora de nós entendermos isso.
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