Era
seis horas da manhã deste domingo 28/09/14 e as comunidades da cidade de Pimenta Bueno já se
mobilizavam para a grande celebração. Cerca de 10 ônibus lotados de homes e
mulheres, jovens e crianças com camisetas, chapéus e sombrinhas se deslocava
para a Água Santa em São Felipe do Oeste para recontar a história que originou
a criação daquele município. Nos relatos
a seguir, você vai entender por que a Romaria da Bíblia se tornou um marco
importante para São Felipe e para a Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Pimenta
Bueno. Aqui, um relato contundente de como a Fé, a Coragem, a União e a Oração
venceu as armas e a violência na conquista da terra.
Histórico da Primeira Romaria da
Bíblia: por Paulo Henrique da Silva
A primeira Romaria realizou-se nas
margens do Córrego da Água Santa em São Felipe do Oeste no ano de 1986. Muitas
famílias, vindas de várias partes do Brasil, tinham esperança de encontrar um
pedaço de terra para obter o sustento familiar. Havia um grupo de grileiros que
ocupavam 36 mil hectares de terra.Em 1977 houve o primeiro despejo nas
proximidades das linhas 41, 37 e 33. Muitos foram espancados, outros saíram
amarrados pelos jagunços sob forte ameaça.
Em 1979, outra ocupação foi originada
nas proximidades da Capa Zero e na Linha 208. Novamente outro despejo
aconteceu. Neste contexto, muitos agricultores abandonaram suas propriedades,
dando origem a cidade de Alta Floresta. Pimenta Bueno ajudou os agricultores a
criar sindicato para fortalecer as primeiras associações em São Felipe.
No dia 11 de novembro de 1980, Pe. João
Zanotto junto com as irmãs, foi à comunidade de São João para celebrar missa,
seguindo roteiro de visitas. Zanotto achou estranho encontrar apenas mulheres e
crianças na celebração. Em seguida, descobriu que os homens estavam na ocupação
passando muito sofrimento. Diante dos fatos, padre João Zanotto resolveu
realizar a missa junto aos posseiros. Ao longo da caminhada, foram colocando cruzes
para simbolizar o sofrimento e a luta daqueles que estava dentro da ocupação.
As cruzes, usadas para rezar a via sacra, foi interpretada pelo regime da época
como demarcação de terras. Isto resultou no processo que enquadrou Pe. João
Zanotto na Lei de Segurança Nacional.
Crianças, mulheres e homens ao fim da
caminhada sentiam muita sede. Chegando a Linha Marco 08, onde foram queimados
os primeiros barracos, nas proximidades da Água Santa, Pe. Zanotto celebrou a
1ª Eucaristia de 11 crianças catequizadas por José Manuel que fora embora, logo
depois para Alta
Floresta, por não conseguir um pedaço
de terra. Outro fato importante se dá ao nome Água Santa.
Os pistoleiros encima do caminhão
passariam por cima de todos que tivessem no local. O caminhão atolou. Em
seguida buscaram o trator, este por sua vez, também, ficou atolado. Assim, com
os veículos imobilizados, o povo pode realizar a celebração com tranquilidade.
Tudo isso aconteceu na estrada onde passava carros perfeitamente. Desde então,
atribuíram ao episódio e ao local, a proteção divina, a proteção de
Deus.
Na semana seguinte, Pe. Zanotto foi
celebrar missa noutra comunidade. Dali ficou sabendo de um tiroteio entre
jagunços e 45 agricultores que estavam acampados ao lado da Água Santa. Deste
conflito, duas pessoas saíram feridas. Os senhores Daniel Venturim e Nerci Rosa
e a senhora conhecida como Jovelina socorreram os feridos e lavaram as roupas
manchadas de sangue. Assim, a primeira Romaria Oficial realizou-se
no ano de 1986, nas margens do córrego da água santa, na cidade de São Felipe
do Oeste.
Este ano a comunidade repetiu o gesto e
colocou diversas cruzes ao longo do trajeto percorrido pelos romeiros. As
cruzes desta vez simbolizaram as lutas que ainda faltam serem vencidas contra o
racismo, o preconceito, a falta de fé, o tráfico humano, a
corrupção, a destruição da natureza e tantas outras. Gente de todas as
comunidades da Paróquia Nossa Senhora de Fátima e de outras paróquias e municípios
estiveram presentes e celebrou a fé no Deus que se coloca no meio do povo para
encorajá-lo na luta por justiça e fraternidade.