Jesus chega, ainda desconhecido, a um vilarejo da Baixa Galileia. Observado pelos olhos frios e duros dos camponeses, que vivem no nível da subsistência, há tempo suficiente para saber exatamente qual é a linha que separa a pobreza da miséria. Ele parece um mendigo, porem faltam-lhe o medo nos olhos, o gemido na voz e o andar arrastado. Ele fala das Leis de Deus e eles ouvem muito mais por curiosidade do que por qualquer outra coisa.
Eles conhecem tudo sobre leis e poder, sobre reinos e impérios, mas conhecem em termos de imposto e dívida, de subnutrição e doença, de opressão agrária e possessão demoníaca. O que eles querem realmente saber é o que esse Reino de Deus pode fazer por uma criança que manca, por um pai cego, por uma alma demente que grita a tortura do seu isolamento entre os túmulos que demarcam os limites da vila?
Jesus anda com eles até as tumbas, e no silêncio, após o exorcismo, as pessoas do vilarejo ouvem suas palavras mais uma vez, mas agora a curiosidade da lugar ao desejo, ao medo e ao constrangimento. Ele é convidado como manda a honra, para a casa do líder do vilarejo. Ele vai, entretanto, ficar na casa de uma mulher sem posses. Não muito apropriado certamente, mas seria imprudente censurar um exorcista, criticar um mágico. A vila ainda poderia intermediar seus poderes para as cidades vizinhas, poderia dar a esse Reino de Deus uma localização, um lugar no qual os outros viriam procurar a cura, um centro com horas e patrocínio suficiente para todos, até mesmo, talvez, para aquela mulher sem posses.
Mas no dia seguinte ele os deixa e eles questionam, em voz alta, um Reino divino que não respeita os protocolos adequados, um Reino como ele havia dito, não somente para os pobres como eles, mas para os miseráveis.
Alguns dizem que os piores e mais poderosos demônios não se encontram nos vilarejos, mas em certas cidades. Talvez sugerem, o demônio exorcizado tenha ido para lá, para Séforis ou Tiberíades, ou mesmo para Jerusalém, ou talvez para a própria Roma, onde sua chegada dificilmente seria notada entre tantos outros ali existentes. Mas alguns não dizem absolutamente nada, e ponderam a possibilidade de alcançar Jesus ante que ele se afaste muito.
O movimento do Reino foi o programa de Jesus para dar poder a um campesinato que se tornava cada vez mais duramente pressionado pelas taxações insistentes, dividas permanentes que culminavam com a expropriação de terras, tudo no contexto da crescente comercialização da economia colonial em expansão no Império Romano sob a paz Augusta e na Baixa Galileia sob a urbanização de Herodes. Jesus viveu, apesar da injustiça sistêmica e da maldade estrutural daquela situação uma alternativa aberta a todos quantos a aceitasse: uma vida de cura aberta e de divisão de alimentos, de falta de teto programática e de igualitarismo fundamental, de contato humano sem discriminação e de contato divino sem hierarquia. OS aforismos e parábolas de Jesus histórico frequentemente descreve um mundo de igualdade radical no qual a discriminação, a hierarquia, a exploração e a opressão não mais deveria existir.
Observa-se ao ler os evangelhos de Jesus que ele propunha cura gratuita e alimentação aberta.
Pense por exemplo na parábola sobre O Banquete, em que o servo finalmente convida todas as pessoas que encontra, de modo que homens e mulheres, casados e solteiros, escravos e livres, puros e impuros, ricos e pobres possam todos se juntar e comer na mesma mesa.
Ele também morreu por esta alternativa.
Do livro, O ESSENCIAL DE JESUS de JOHN DOMINIC CROSSAN